Tapas no rosto, xingamentos e hematomas: crianças que fugiram de abrigo no Paraná relataram violência física e psicológica

  • 30/05/2025
(Foto: Reprodução)
Escutas especializadas aos menores foram realizadas pelo Núcleo de Proteção à Criança e ao Adolescente (Nucria) da Polícia Civil (PC-PR). Prefeitura de Maringá disse que não foi notificada pelo Nucria e, caso seja, será aberto um procedimento para apurar a situação. Crianças relatam xingamentos e agressões em abrigo O Núcleo de Proteção à Criança e ao Adolescente (Nucria) da Polícia Civil (PC-PR), divulgou nesta quinta-feira (29), o resultado de 10 escutas especializadas realizadas com crianças do Abrigo Municipal Infantil de Maringá, no norte do Paraná. De acordo com a delegada Karen Nascimento, as crianças relataram agressões e violência psicológica dentro do abrigo. Servidores também foram ouvidos e falaram sobre problemas estruturais e falta de pessoal. ✅ Siga o canal do g1 PR no WhatsApp ✅ Siga o canal do g1 PR no Telegram Desde o último domingo (25), em menos de três dias, quatro fugas de crianças foram registradas no abrigo. Em uma delas, houve uma confusão em que vidros foram quebrados com pedras, crianças foram vistas no telhado do prédio e servidores foram agredidos. Segundo a delegada, as crianças narraram episódios em que uma das educadoras deu tapas no rosto de abrigados e um até um caso em que a funcionária segurou uma das meninas pelo pescoço. Uma das crianças, inclusive, estava com hematomas nos braços. Uma testemunha também foi ouvida e contou que nesta semana viu uma das educadoras segurando forte no braço de uma das acolhidas e puxando o cabelo dela, em frente ao abrigo. A delegada Karen informou que a suspeita é de que as agressões foram praticadas por uma servidora que passou a integrar o quadro de funcionários do abrigo neste ano. A servidora ainda será interrogada pela polícia. Em outros relatos, as crianças disseram que presenciavam xingamentos e eram alvo de violência psicológica. Segundo a delegada, elas contaram que ouviam frases como: "se você não se comportar, eu vou separar vocês dos seus irmãos" e "você não tem família". "São situações que as crianças que já estão ali por conta de uma situação de vulnerabilidade, de abandono, negligência e violência, e isso acaba gerando uma sessão de muita tristeza", disse a delegada. Além das crianças, também foram ouvidas a diretora, a psicóloga e a assistente social do abrigo. A delegada informou que elas relataram uma série de dificuldades, como falta de servidores e problemas estruturais. Os servidores disseram ainda que o local deveria para ser um acolhimento provisório para algumas das crianças, mas que muitas estão abrigadas ali há muito tempo. De acordo com a delegada, será enviado um ofício ao abrigo, para que possam ser realizadas escutas especializadas com o restante das crianças e para que outros servidores também sejam ouvidos. Ela ainda informou que a investigação vai apurar se foram cometidos crimes como lesão corporal, maus-tratos e agressões na instituição. Procurada pelo g1, a prefeitura de Maringá disse que não recebeu nenhuma notificação do Nucria até o momento e que, caso receba, será aberto um procedimento para apurar a situação. LEIA TAMBÉM Geada: O que é e quais as condições necessárias para a formação do fenômeno? Serviço: Lei que dá passagens de ônibus intermunicipais de graça para pessoas idosas começa a valer no PR Investigação: Prefeito de cidade do Paraná é preso em operação contra desvios de recursos Prefeitura foi notificada pelo Ministério Público sobre problemas em abrigo infantil 10 dias antes de fuga de crianças A Prefeitura de Maringá, no norte do Paraná, havia sido foi notificada pelo Ministério Público do Paraná (MP-PR) sobre a necessidade de melhorias no Abrigo Municipal Infantil 10 dias antes das fugas de crianças registradas no local. Relembre abaixo. A RPC teve acesso ao documento com exclusividade. A portaria de instauração de notícia de fato foi publicada no dia 17 de maio, pelo promotor de Justiça Ricardo Malek Fredegoto. Na argumentação, ele considerou uma visita ao abrigo realizada no dia 8 de maio, quando foi constatado o "agravamento de um cenário de persistentes inadequações e omissões que comprometem a dignidade e a segurança das crianças e adolescentes acolhidos" pela instituição. Documento considerou o relatório de uma visita ao abrigo no dia 8 de maio. Jhonny Rosa/RPC O documento apontou as seguintes irregularidades: Falta de recursos humanos: a necessidade de mais educadores foi relatada em uma visita ao abrigo no dia 5 de janeiro e como necessidade urgente em 6 de fevereiro. Em uma visita realizada em março, eram apenas dois educadores para atender 26 acolhidos. Além disso, o documento informa que houve pedidos de exoneração de servidores sobrecarregados e impactados por casos complexos. Também é destacada a demora na reposição de pessoal, com apenas três servidores enviados ao local e a recusa de educadores em realizar horas extras devido à complexidade e riscos de alguns casos; Problemas estruturais: varões de cortinas e vidraças quebradas, portas danificadas, van do abrigo em oficina desde o fim de 2024, falta de motorista para transporte escolar, lentidão em processos de compras para reparos e substituição de mobiliário e utensílios; Falta de documentação exigida: a instituição não possui inscrição válida do serviço de acolhimento no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA), nem auto de vistoria do Corpo de Bombeiros válido e de alvará da Vigilância Sanitária válido; Dificuldade de ações com outros órgãos essenciais: existe a dificuldade de articulação do serviço de acolhimento com outros órgãos da rede de proteção, incluindo a assistência social, educação e o Conselho Tutelar; Falta de atendimento psicológico: os atendimentos, que antes eram individuais, passaram a ocorrer apenas sob demanda. E o trabalho aos sábados, que visava manter contato com as crianças, foi interrompido. O promotor ainda considerou o fácil acesso dos menores ao telhado da edificação, devido à existência de muretas e desníveis no prédio, que permitem que as crianças e adolescentes subam no local, gerando um ambiente de perigo. No documento, o promotor também destacou as fugas dos acolhidos, que estariam expostos a riscos. Facilidade de acesso de crianças ao telhado do abrigo foi considerado no documento. Jhonny Rosa/RPC No dia 22 de abril, houve uma solicitação formal feita pela diretora do abrigo à diretoria de infraestrutura da Secretaria de Assistência Social para uma adequação urgente da estrutura. A sugestão era erguer um muro para impedir o acesso das crianças ao telhado, mas o pedido não foi atendido. O projeto de adequação foi paralisado mesmo depois que o diretor de Infraestrutura inspecionou o local. Diante do cenário observado no abrigo, o promotor notificou os atuais gestores da Secretaria Municipal de Assistência Social de Maringá, como o secretário Leandro Bravin; o superintendente Alex Chaves; o diretor do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), Gabriel Antunes; e o gerente da área de Alta Complexidade da Proteção Social do Município, Lindamir Schiavon, sobre a gravidade e a persistência dos problema e sobre a possibilidade de apuração de responsabilidade pessoal em caso de omissão na adoção de medidas. "A atual gestão municipal, empossada em 2025, necessita demonstrar maior diligência e proximidade em relação às demandas urgentes do serviço de acolhimento, sendo fundamental que assuma a responsabilidade pela solução integral dos problemas existentes, independentemente de sua origem, pois a responsabilidade pela condução administrativa do Município e pela garantia dos serviços é inerente ao mandato assumido. Cumpre aos atuais gestores, nomeados pelo Prefeito, aquilatar a gravidade da situação e o impacto de eventual omissão na vida de crianças e adolescentes vulnerabilizados", considerou o promotor. O secretário Bravin ainda foi oficiado para apresentar de forma detalhada e documentada um plano de ação emergencial e definitivo, com cronograma físico-financeiro para sanar todas as irregularidades apontadas nos relatórios de visita ao abrigo de janeiro, fevereiro, março, abril e de maio. Caso não fosse apresentado dentro do prazo de 10 dias, o promotor estabeleceu a adoção de medidas legais e judiciais, inclusive a apuração de responsabilidade administrativa e civil dos gestores e por ato de improbidade administrativa dos agentes públicos envolvidos. Procurada pelo g1, a prefeitura de Maringá disse que tem trabalhado incansavelmente na busca de um novo espaço para as crianças e na contratação de novos profissionais para o abrigo. Disse ainda que a administração tem tratado o tema com atenção e vem adotando uma série de medidas emergenciais, com apoio de diversas secretarias municipais para solucionar os problemas identificados. Crianças fugiram quatro vezes do abrigo em menos de três dias No primeiro registro de fuga, a Prefeitura de Maringá informou que seis crianças, com idades entre 7 e 9 anos, saíram do abrigo. Elas foram encontradas entre a noite de domingo e a madrugada desta segunda-feira (26). Em entrevista à RPC, o secretário municipal de Assistência Social, Leandro Bravin, explicou que a fuga foi notificada assim que os funcionários perceberam que as crianças não estavam no local. Contudo, as informações divergem das repassadas pela Polícia Militar, que auxiliou na busca pelos menores. A PM informou que a corporação foi acionada duas vezes durante a noite de domingo para auxiliar no atendimento das ocorrências. Na primeira vez, foi relatado no boletim de ocorrência que seis crianças fugiram antes do horário de almoço e foram encontradas por volta das 21h na Avenida Brasil. Em seguida, o Conselho Tutelar foi acionado e encaminhou as crianças de volta ao abrigo. Segundo a polícia, no segundo acionamento, por volta das 23h45, cinco crianças escaparam do abrigo, sendo que três delas já tinham participado da primeira fuga. Elas foram encontradas nas proximidades da Avenida Mandacaru. Conforme a PM, os menores tinham sido acolhidos por um morador da região e depois foram levados de volta ao abrigo pelo prefeito da cidade Silvio Barros (PP). Procurada pelo g1, a prefeitura não confirmou as informações sobre a segunda fuga. Na noite de segunda-feira, outras quatro crianças fugiram mais uma vez, sendo levadas de volta para o abrigo em seguida. Neste registro, a Polícia Militar disse que não foi acionada. Na tarde de terça-feira, foi registrada a saída de outros menores do abrigo. Conforme apurado pela RPC, a Guarda Municipal atendeu o caso e um dos agentes, que conhecia uma das crianças, conseguiu convencê-las a voltarem para o abrigo. Neste registro, cerca de sete menores foram encontrados nos arredores do abrigo. Após as fugas, abrigo foi depredado e crianças foram transferidas Crianças são transferidas de abrigo municipal Uma confusão foi registrada no abrigo na noite de terça-feira (27). As crianças saíram do imóvel, foram para a rua em frente ao abrigo e atiraram pedras. O local foi depredado e crianças foram vistas com facas em frente ao local. Conforme a prefeitura, acolhidos foram removidos do abrigo e levados para locais provisórios, até que um local definitivo seja providenciado. O g1 e a RPC optaram por não divulgar imagens das crianças, para preservar a identidade e integridade dos menores e servidores. A Prefeitura de Maringá informou que durante a confusão, duas crianças tiveram ferimentos superficiais e foram atendidas pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). Após os problemas registrados no Abrigo Municipal Infantil de Maringá, a prefeitura da cidade se comprometeu com a criação de um novo abrigo. Segundo a prefeitura, com autorização do Conselho Tutelar, as crianças acolhidas foram transferidas provisoriamente para um outro espaço, até que o novo imóvel seja preparado. Outras crianças também foram acolhidas temporariamente por educadores com vínculo afetivo, que assinaram um termo de responsabilidade, e por famílias acolhedoras. O processo de transferência foi realizado por gênero e faixa etária. O município disse que está em busca de outro imóvel para receber o abrigo infantil de forma definitiva. O abrigo atual passará por uma vistoria para levantar os danos causados pela depredação. A prefeitura também informou que remanejou servidores de outras secretarias municipais para auxiliar no atendimento às crianças. Disse ainda que há um concurso público vigente para contratação de novos educadores e 16 profissionais habilitados já foram convocados para trabalhar na Assistência Social do município. Janelas do abrigo foram quebradas com pedras. Alex Magosso/RPC Servidores foram agredidos À RPC, uma servidora disse que foi agredida com uma pedrada no braço por uma das crianças. "Fugiu do controle, nós não estamos aguentando mais. É pressão, fogem para a rua direto. Inclusive eu estava indo para o banheiro e levei uma pedrada. As crianças ficam em cima da casa e fazem gestos obscenos pra gente, xingam a gente, mordem, chutam. Vocês não têm noção do que a gente passa aqui dentro", afirmou a servidora. Outra servidora também foi atingida por uma pedrada na barriga e recebeu atendimento médico. Ana Lucia Araújo, que é secretária-geral do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Maringá(Sismar), revelou à RPC, que ouviu de servidores do local que há problemas com a estrutura, falta de material de trabalho e falta de mão de obra. "A gente vem acompanhando diversas situações relacionadas especificamente à segurança dos servidores e dos abrigados. A escuta que fizemos com os servidores que trabalham nesse local é que eles precisam que sejam tomadas providências com relação à segurança e atendimento das crianças. Algo precisa ser feito", explicou Ana Lucia. Especialista diz que crianças estão dando "grito de socorro" Abrigo foi destruído na noite desta terça-feira (27). Alex Magosso/RPC Para Paula Marçal, coordenadora do Núcleo de Pesquisa e Defesa da Criança e do Adolescente (NPCA) da Universidade Estadual de Maringá, as atitude das crianças acolhidas no abrigo representam um "grito de socorro". Ela afirma que a situação chegou ao limite e acredita que isso fez com que os acolhidos encontrassem na violência e nas fugas uma forma de serem escutados e de expressarem uma série de violações que ocorreram ao longo do tempo. "As crianças em situação de acolhimento têm direitos que todas as crianças têm e todos eles são preconizados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, que é o direito à saúde, à educação de qualidade, à convivência comunitária, ao acesso à cultura. No município de Maringá a gente vê que há cinco anos que as crianças acolhidas não estão numa situação de proteção e sim de desproteção social", considerou Paula. A coordenadora afirma que colocar em prática o plano de acolhimento que o município já possui, seria como um ponto de partida para solucionar os problemas existentes. Paula diz que o trabalho de acolhimento é um serviço de alta complexidade, pois exige profissionais qualificados, ambientes preparados e agradáveis, além de casas menores e educadores sociais com ensino superior para promover o desenvolvimento humano das crianças. "Elas estão numa situação em que o poder público tem que protegê-las e não condená-las. Elas precisam se sentir em casa. Se elas não estão em casa e a casa delas é o acolhimento, ele tem que proporcionar tudo que se exige de uma casa e de uma família", explicou a coordenadora. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Maringá informou, em nota, que foi designada uma comissão especial, formada por representantes da Comissão de Direitos Humanos e da Comissão dos Direitos da Criança e do Adolescente, após uma vistoria no abrigo. Segundo a OAB, a comissão está elaborando um relatório, que servirá de base para avaliar quais medidas e providências devem ser adotadas. Crianças quebram janelas e sobem em telhado de abrigo RPC O que diz o Conselho Tutelar O Conselho Tutelar de Maringá enviou uma nota ao g1, na qual afirmam que o caso não é um fato isolado e que se trata de "um reflexo do colapso do sistema de acolhimento institucional na cidade". O órgão também informou que a situação já havia sido denunciada há anos e providências estruturais efetivas não foram adotadas pelo poder público municipal. "Ressaltamos que a situação estrutural e operacional dos serviços de acolhimento institucional no município é critica e insustentável há bastante tempo, sendo alvo de constantes manifestações, orientações e encaminhamentos por parte do Conselho Tutelar", informou a nota. O Conselho ainda informou que a situação foi documentada e formalmente comunicada por meio de canais oficiais do município, por ofícios, relatórios, reuniões e visitas técnicas. Também informou que existe uma Ação Civil Pública que resultou em um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) entre a Prefeitura de Maringá e o Ministério Público do Paraná (MP-PR). O termo estabeleceu obrigações específicas relacionadas à estrutura e funcionamento dos serviços de acolhimento institucional, e prevê sanções e multas em caso de descumprimento. "Estamos diante de agressões institucionalizadas. Os Conselhos Tutelares esclarecem ainda que atuações emergenciais têm sido frequentes, a fim de garantir a proteção integral das crianças e adolescentes. Mas as medidas pontuais não são suficientes diante da precariedade da rede de atendimento", informou o Conselho. Em nota enviada pela prefeitura de Maringá na tarde de terça-feira (27), a administração municipal afirmou que o abrigo infantil é alvo de uma Ação Civil Pública desde maio de 2023, motivada por situações que se desenvolveram durante a gestão anterior. Disse ainda que a atual administração tem tratado o tema como prioridade e já vem adotando uma série de medidas emergenciais, com o objetivo de garantir o bem-estar das crianças. VÍDEOS: Mais assistidos do g1 PR Leia mais notícias em g1 Norte e Noroeste.

FONTE: https://g1.globo.com/pr/norte-noroeste/noticia/2025/05/30/tapas-no-rosto-xingamentos-e-hematomas-criancas-que-fugiram-de-abrigo-no-parana-relataram-violencia-fisica-e-psicologica.ghtml


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